Quem me acompanha no facebook já soube que no último dia 16, a bisa de Dudu - Vó Chica, morreu. Foi tudo muito rápido, um dia como os outros. Dudu já chegava da escola anunciando "minha vó, cheguei!" e logo ela mandava-o pro banho e ia colocar seu almoço, a tarde continuavam juntos até que a dinda dele ia pra faculdade e eles ficavam aguardando eu e marido chegarmos do trabalho.
Só que neste dia, a vovó sentiu muito frio, neste momento a dinda de Dudu acionou o atendimento médico domiciliar enquanto a avó se dirigia para sua cama. Em seu leito de morte, balbuciou algumas palavras como se estivesse passando um filme em sua mente, desde seu nascimento até o dia do sei fim, aqui conosco. Sua última palavra foi "my love", imaginamos que ela estivesse cantando a música - Inventando moda de Magary Lord porque ela gostava muito. E naquele momento ela sofrera uma parada cardiorespiratória [PCR]. A dinda de Dudu tentou salvá-la com massagem cardíaca e ao mesmo tempo gritava por socorro, Dudu por sua vez, atendia ao seu pedido e saia pra pedir ajuda a minha sogra e a tia dele que moram aqui perto, e aos vizinhos e passantes.
Tarde demais, o socorro médico demorou pra chegar e as pessoas que foram chamadas não sabiam como ajudar.
Passado todo esse turbilhão de emoções e após um dia atípico, Dudu foi para escola, onde conversei com a coordenadora pedagógica e ela me presenteou com uma revista da editora utilizada lá, que nesta edição, coincidentemente trata do assunto - Como falar de morte para crianças.
Daí inicio uma ótima leitura e entendimento a cerca do assunto, cito parágrafos, descrevo da minha opinião e grifo frases que considero de maior relevância. No final, descrevo a referência para quem tiver interesse de procurar pela revista e ler na íntegra.
Um aviso: o texto é grande, mas para quem gosta de informação a leitura é muito boa, pelo menos para mim ampliou os horizontes, pois se eu já tivesse esclarecimento a cerca do assunto teria perguntado para Dudu se ele queria ir ao funeral, e enfrentaria os olhares e falas de negação sem nenhum medo de estar errando.
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Atualmente, a criança não participa do processo de morte e dos seus rituais. A meu ver, subestima-se a criança alegando-se protegê-la. Para que a criança não sofra, nós a impedimos de olhar para a realidade da vida e das perdas. Os ganhos são valorizados, e as perdas, muitas vezes, são negadas. E por causa disso, reforçamos a dificuldade de lidar com as várias perdas vivenciadas ao longo da vida: o brinquedo quebrado, o animal de estimação que morre, o amiguinho que se mudou, a morte de alguém...
É preciso lembrar que não podemos quantificar a dor, pois é individual, singular e subjetiva.
Adultos costumam dizer que morte não é assunto para crianças porque é triste, como desculpa de que querem protegê-las. Mas, na verdade, nós não sabemos como abordar esse tema com as crianças. Para nos protegermos de nossa própria ignorância e por recear as possíveis reações das crianças, preferimos evitar o assunto, fazendo de conta que a morte não faz parte do universo infantil ou por pensar que a criança seja incapaz de compreender uma explicação verbal sobre o que está ocorrendo.
A morte é a única situação que não temos como evitar em nossa vida, um dia acontecerá, fatalmente. Portanto, não falar sobre o assunto, ou seja, "proteger a criança", poderá dificultar seu entendimento do ciclo da vida.
Falar da morte não é criar a dor nem aumentá-la, ao contrário, a verdade alivia a criança e a ajuda a elaborar a perda.
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Há verdades muito difíceis de aceitar para o adulto, por isso, ao mentir, está transferindo essa dificuldade para a criança. Se os adultos mentem ou ocultam a verdade à criança, esta deixa de acreditar neles e pode não voltar a perguntar, circunstância que poderia acarretar uma inibição do impulso *epistemológico.
Quando o adulto se nega a esclarecer verbalmente a morte, atravanca-se o primeiro momento de elaboração do luto, que é a consciência de que alguém desapareceu para sempre. Versões como a do céu incrementam o anelo de seguir o destino do objeto perdido, entravando não só a elaboração do luto, mas todo o processo de aceitação da morte.
A criança é criativa, imaginativa e tem uma curiosidade natural, que a faz descobrir o mundo, a vida e os seus mistérios. Para tudo, busca o pôrque, não havendo diferença em relação à morte. Dessa forma, conforme cresce, ela adquire novos conhecimentos e aprende através da exploração de seu mundo.
Desde cedo, a criança vivencia situações que lhe permitem criar uma noção da morte. Percebe as coisas à sua volta, mas, muitas vezes, se sente confusa em suas percepções. Portanto, evitar a questão da morte com a criança é negar uma realidade. Isso pode ser muito prejudicial, uma vez que deixa a criança confusa por não ter com quem confirmar suas percepções [Kovács, 1992].
São três os componentes básicos do conceito de morte:
Universalidade - tem a ver com a compreensão de que todos os seres vivos, sem exceção, um dia morrerão. Ou seja, a morte é um evento inevitável.
Não funcionalidade - caracteriza-se por compreender que, na morte, todas as funções vitais cessam: a pessoa não respira, não se mexe, não pensa, não sente absolutamente nada. No corpo nada mais funciona.
Irreversibilidade - é a capacidade de perceber que quem morre não volta nunca mais. A morte não é temporária. Não se morre por um tempo. Não existe uma mágica que faça a pessoa "desmorrer".
Para a criança, a morte não é apenas um desafio cognitivo para seu pensamento, mas também um desafio afetivo [Torres, 1999]. Portanto, pode-se afirmar que a criança percebe a morte de forma diferente do adulto, de acordo com a faixa etária e as condições cognitivas.
De acordo com os estágios estabelecidos por Jean Piaget [1987, 1996] podemos perceber as seguintes diferenças para cada estágio:
Período sensório-motor: crianças de 0 a 2 anos
[antes da aquisição da linguagem]
- o conceito de morte não existe.
- a morte é percebida como ausência e falta.
- a morte corresponde à experiência do dormir e do acordar: percepção de ser e do não ser.
Período pré-operacional: crianças de 3 a 5 anos
- compreendem a morte como um fenômeno temporário e reversível. Não a entendem como uma ausência sem retorno.
- atribuem vida à morte, ou seja, não separam a vida da morte. Não distinguem os seres animados dos inanimados. Entendem a morte ligada à imobilidade.
- apresentam pensamento mágico e egocêntrico. São autorreferentes, e, para elas, tudo é possível.
- compreendem a linguagem de modo literal/concreto.
Período operacional: criança de 6 a 9 anos
- apresentam uma organização em relação a espaço de tempo.
- distinguem melhor os seres animados dos inanimados.
- entendem a oposição entre a vida e a morte, compreendendo a morte como um processo definitivo e permanente. Compreendem a irreversibilidade da morte.
- há uma diminuição do pensamento, predominanndo o pensamento concreto.
- ainda não são capazes de explicar adequadamente as causas da morte.
- conseguem aprender o conceito de morte em sua totalidade: em relação a não funcionalidade, à irreversibilidade e à inevitabilidade da morte.
Período de operações formais: crianças de 10 anos até a adolescência
- o conceito de morte, devido ao pensamento formal, torna-se mais abstrato. Já compreendem a morte como inevitável e universal, irreversível e pessoal.
- as explicações são de ordem natural, fisiológica e teológica [Torres, 1999].
Antes de tratar sobre o luto infantil, é importante falar sobre como se estabelecem as relações iniciais da criança. A teorias do Apego de John Bowlby [1989, 1990, 1995] um psiquiatra britânico - o primeiro pensador do desenrolar do apego e das perdas - que desenvolveu seus estudos a partir de observações realizadas com crianças separadas de suas mães durante um longo tempo.
A Teoria do Apego nos auxilia a entender a tendência dos seres humanos de estabelecer fortes laços afetivos com outros, assim como a compreender a forte reação emocional que ocorre quando esses laços afetivos são ameaçados ou rompidos. Assim, podemos entender o impacto de uma perda sobre a pessoa e o comportamento humano decorrente dessa perda. Para Bowlby, "tais laços surgem de uma necessidade de segurança e proteção, iniciam-se cedo na vida, são dirigidos a poucas pessoas específicas e tendem a durar por uma grande parte do ciclo vital".
Esse autor afirma que o apego é instintivo, uma necessidade básica do ser humano para seu desenvolvimento - uma função biológica. Aponta para o fato de que a primeira relação humana de uma criança é fundamental na formação de sua personalidade.
Em seus estudos, Bowlby enumerou cinco respostas que levam ao comportamento de apego, denominadas comportamento mediador de apego: chorar, sorrir, seguir, agarrar-se, sugar e, uma sexta resposta, que seria chamar pela mãe [mais tarde, até gritando o nome dessa mãe].
De todos os trechos desta matéria, a que mais chamou minha atenção foi a seguinte:
Quanto aos distúrbios emocionais, o autor enfatiza dois fatores ambientais de maior importância na primeira infância. O primeiro é a morte da mãe ou uma separação prolongada. O segundo é a atitude emocional da mãe para com o filho: como ela lida com ele ao alimentá-lo, desmamá-lo, treinar o controle dos esfíncteres e outros aspectos do cuidado materno corriqueiro.
Nesta passagem, fica claro o grau de importância da figura de apego da criança, ainda que sejam ações "chatas" e/ou cansativas, para a criança estes momentos são de estreitamento da relação.
Bowlby [1995] afirma que a privação prolongada dos cuidados maternos pode trazer efeitos graves e de longo alcance sobre a personalidade de uma criança pequena.
- falta de qualquer oportunidade para estabelecer ligação com a figura materna nos 3 primeiros anos de vida.
- privação por um período limitado [mínimo de 3 e mais 6 meses] nos primeiros 3 ou 4 anos.
mudança de figura materna por outra durante este período.
A criança, da mesma forma que o adulto, vai passar por processos de luto. Processo este que tem uma duração subjetiva mais extensa, uma vez que sua noção de tempo está se organizando.
O processo de luto infantil pode ser identificado nas seguintes etapas:
Protesto: a criança não acredita que a pessoa esteja morta luta para recuperá-la, chora, grita, agita-se e busca qualquer imagem ou som que personifique o ausente.
Desespero e desorganização da personalidade: a criança começa a aceitar o fato de que a pessoal amada realmente morreu, o anseio por sua volta não diminui, mas a esperança de sua satisfação esmorece. Não grita mais, torna-se apática e retraída, porém isso não significa que tenha esquecido a pessoa morta.
Esperança: a criança começa a buscar novas relações e organizar a vida sem a presença da pessoa morta.
As reações da criança à perda e separação vão depender de vários fatores: a relação da mesma com a pessoa que morreu, a causa e as circunstâncias da situação de perda [repentina ou não, violenta], o que é contado para a criança e as oportunidades para ela falar e perguntar, relações familiares após a perda [mudança de padrão de relacionamento e permanência com outros entes] padrões de relacionamento da família anteriores a perda.
Sensação de insegurança, de abandono, medo de perder outro ente querido, raiva, culpa, idéia de que foi responsável pela perda são alguns dos sentimentos, fantasias e reações que podem estar presentes nessa vivência, que exige a elaboração de um processo de luto para sua significação e integração à vida.
Para ajudar a criança no processo de luto, é necessário:
- encorajar a criança a expressar seus sentimentos.
- responder às perguntas com sinceridade e expressar suas emoções honestamente.
- discutir a morte de forma que a criança possa entender.
- falar com a criança de acordo com seu nível de desenvolvimento.
- ser paciente. permitir que a criança repita a mesma pergunta, expondo sua confusão e seu medo.
- não criar expectativas.
- sugerir caminhos para que a criança possa lembrar-se da pessoa [por meio de desenho, fotos, cartas...]
- aceitar os sentimentos, as percepções e reações da criança, bem como diferença de opiniões, dúvidas e questões.
- indicar serviços especializados se for necessário.
- preparar a criança para continuar a vida. Reforçar que ela se sentirá melhor depois de um tempo [lembrando que esse tempo é diferente para cada um].
Em relação às indignações da criança a respeito da morte, é importante deixá-la fazer perguntas ou manifestar-se por meio de gestos ou brincadeiras. a criança pode expressar sua curiosidade e seu sofrimento não só pela linguagem verbal [palavras], mas também por linguagem não verbal [jogos, gestos, desenhos...]. Para o adulto, o silêncio pode ser conveniente, entretanto, para a criança, pode ser muito prejudicial, na medida em que seu sofrimento pode passar despercebido.
Segundo a escritora e consultora Doris Sanford, as crianças podem têm curiosidade sobre o que acontece e o que será feito com o corpo depois da morte. Elas podem querer participar do funeral lendo um poema. Elas precisam saber que podem confortar as pessoas que estão sofrendo.
Todo o passo-a-passo de um funeral precisa ser explicado para que a criança entenda o destino do corpo de acordo com a crença, religião e costume que a sua família adotará.
É importante ressaltar que a mentira não consegue negar a dor ou anulá-la. A verdade, ao contrário, alivia e ajuda a aceitar o desaparecimento da pessoa que morreu, percebendo-se tal fato como definitivo.
Levando-se em consideração os pontos abordados, é possível afirmar que as condições do funcionamento familiar contribuem para a qualidade da elaboração do luto. Além disso, fica evidente a importância de se pensar em alternativas para que a criança possa ser amparada no enfrentamento de suas perdas pelas pessoas que dela cuidam, tanto em seu ambiente familiar, no contexto escolar, como também no ambiente da saúde.
Eu e marido já colocamos em prática o que aprendi com esta leitura [só eu li, mas explanei para ele], nosso próximo passo será levá-lo ao cemitério [ele pediu] onde a avó foi sepultada e se tiver a oportunidade, mostrar um velório, já que "poupamos" no momento familiar, por ignorância.
*Epistemológico - Estudo do grau de certeza do conhecimento cientifico em seus diversos ramos, especialmente para apreciar seu valor para o espírito humano.
Referências:
- Revista Construir Notícias. ano 11. Nº 63. Edição março/abril 2012. ISSN 2236-3505.
3 comentários:
ai, pri, que barra! esta experiência não tem como deixar de ser marcante para seu Dudu! espero que vocês consigam dar conta deste luto e ajudá-lo a lidar com tudo que ele passou. Muita força, querida!!!
Beijoca
Boa tarde!
Ao entrar em contato com seu blog, fiquei muito feliz ao verificar que, de alguma forma, mesmo não nos conhecendo, pude ajudá-la a refletir em como lidar com a questão da morte com seu filho.
Foi um contato que, sinceramente, me emocionou.
Um forte abraço,
Lucélia Elizabeth Paiva
(lucelia_paiva@uol.com.br)
Olá, querida.
Aproveito para deixar uma reflexão sobre as variantes do luto complicado, outrora chamado de luto "patológico", termo que, definitivamente, descarto, por não ser apropriado. Fala-se, com razão, em luto complicado ou luto desfuncional, referendo-se aos fatores de risco que podem tornar o luto complicado.
http://www.quandoavidadizadeus.com/2012/04/extremely-loud-incredibly-close.html
Trata-se da nossa resenha sobre o filme “Extremely loud Incredibly close”. Quando puder, fica a sugestão de assistir.
Um forte abraço!
Rodrigo Luz de Araújo
digo_luz_ara@yahoo.com.br
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